Produzido em 1920, "Nos Limites dos Portões" (Within Our Gates) é um dos filmes mais antigos sobreviventes dirigidos por um afro-americano. Oscar Micheaux é considerado o pai do Cinema Afro-Americano, um tipo de cinema criado para agradar à população negra que não se sentia representada nos filmes produzidos em Hollywood, onde os negros eram sempre estereotipados e não lhes eram permitidos papéis de destaque.
Micheaux sempre trouxe em seus filmes críticas sociais, e em "Nos Limites dos Portões", em um curto período de tempo, ele conseguiu tocar em diversas camadas, como: racismo, elitismo, críticas abertas aos falsos religiosos, o difícil acesso à educação e ao voto para as pessoas negras, e a forma inferior como os negros eram tratados e vistos pelos brancos.
O filme começa aparentando ser um folhetim, mas, após os minutos iniciais, já apresenta sua proposta como crítica social, trazendo o negro como personagem principal, destacando suas qualidades, sua luta e também mostrando o outro lado — como, por exemplo, os negros que usam a fé para explorar seu povo e influenciá-los a não buscarem seus direitos, dizendo a eles que o mundo é das pessoas brancas. Mostra também os negros que agem contra sua própria raça, unindo-se aos brancos na opressão, mas que, quando os brancos não precisam mais deles, são descartados.
Nos minutos iniciais do filme, são apresentados alguns personagens: Sylvia, a protagonista; Conrad, seu noivo; Alma, sua prima; e Larry, meio-irmão de Alma. No meio desses quatro personagens, surge um quarteto amoroso: Alma, uma mulher divorciada, passa a ambicionar Conrad, noivo de sua prima; e seu meio-irmão Larry, um golpista, passa a cortejar Sylvia mesmo sabendo que ela é comprometida. Após uma intriga de Alma, Sylvia e Conrad rompem o noivado. Conrad simplesmente desaparece e, magoada, Sylvia aceita um emprego como professora em uma escola para negros que passa por dificuldades financeiras por não ter apoio governamental ou institucional.
Ciente de que pode fazer algo pela escola, ela viaja em busca de ajuda financeira. Em seu caminho, depara-se com o Dr. Vivian, um homem bem-sucedido que se apaixona por ela. Após impedir o atropelamento de uma criança e ferir-se, Sylvia conhece Elena, uma mulher rica e filantropa. Elena descobre que Sylvia está em busca de ajuda para manter a escola e decide contribuir, buscando também outras pessoas ricas dispostas a ajudar. Elena chega a ser desencorajada por uma amiga claramente racista, que acredita que os negros são preguiçosos e burros e não merecem uma oportunidade de educação. Após se deparar com os pensamentos preconceituosos dessa amiga, Elena acaba dobrando a quantia para ajudar a escola.
Sylvia retorna para a escola e acaba reencontrando-se com Larry, que tenta chantageá-la para que ela roube o dinheiro arrecadado. Sylvia não concorda e foge. Um tempo depois, dessa vez os caminhos de Alma e Dr. Vivian se cruzam, e ele descobre o parentesco entre elas devido a uma tragédia. Arrependida, Alma conta tudo o que fez contra Sylvia e também revela a história de vida da prima, que foi adotada por seus tios e que, tempos depois, teve a família morta em uma chacina provocada por uma mentira.
Esse filme é considerado uma resposta às atrocidades presentes em "O Nascimento de uma Nação" (The Birth of a Nation), produzido anos antes. Nos minutos finais, há muitas cenas fortes sobre o linchamento de uma família negra acusada injustamente por um crime. São cenas incômodas e dolorosas, feitas justamente com esse propósito: fazer as pessoas refletirem.
Há ainda algumas tramas paralelas no filme que, feito com um orçamento muito limitado, não puderam ser bem exploradas — mas sua simples apresentação já permite reflexão e discussão. Um dos personagens é pastor de uma igreja para negros e, em vez de ajudá-los, os explora. Ele é orientado pelos brancos a manter os negros em uma posição submissa, dizendo que o mundo pertence aos brancos e ameaçando com o inferno após a morte aqueles que lutarem por seus ideais ou queiram viver como brancos.
Esse foi o segundo filme dirigido por Micheaux, que improvisou bastante durante a produção devido ao baixo orçamento. "Nos Limites dos Portões" passou anos sendo considerado um filme perdido, até que uma cópia foi encontrada na Espanha, na década de 1970, com o nome "La Negra", embora com algumas cenas ausentes. Na década de 1990, passou por um processo de restauração e reconstituição que o deixou próximo do corte original.
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