CINEMATECA - MULHER SEM ALMA


Dirigido por Dorothy Arzner, "Mulher sem Alma" (Craig’s Wife) é um poderoso retrato da condição feminina em sua época. Lançado em 1936, o filme mostra como as mulheres eram moldadas desde cedo para o casamento, a manutenção de um lar e a formação de uma família — e como esses ideais, impostos pela sociedade, podiam deformar personalidades. Harriet Craig, vivida com intensidade por Rosalind Russell, é o retrato fiel dessa construção: uma mulher obcecada por ordem, aparência e controle, que, em busca de uma vida “perfeita”, afasta o marido dos amigos e governa a casa com mãos de ferro, em atitudes que beiram a paranoia.

Enquanto Harriet está fora, visitando sua irmã doente, seu marido Walter Craig (John Boles) aproveita a ausência para se divertir com o amigo Fergus Passmore (Thomas Mitchell). Harriet, no entanto, decide antecipar sua volta e retorna acompanhada da sobrinha, Ethel Landreth (Dorothy Wilson). Durante a viagem de trem, ela revela não acreditar no amor romântico e afirma ter se casado para manter sua independência e ter uma casa, deixando claro o modo calculado com que administra tanto o lar quanto as pessoas ao seu redor.

Ao chegar, Harriet retoma o controle absoluto da casa. Ao descobrir um bilhete com um número telefônico, ela tenta descobrir de quem se trata, até perceber que o número pertence a Fergus. No desenrolar da história, ocorre uma tragédia envolvendo Fergus e sua esposa, levando a polícia a suspeitar de Walter. Harriet mente para o detetive e tenta impedir o marido de se comunicar com outras pessoas, criando um ambiente de desconfiança e isolamento. Quando os investigadores concluem o caso, Walter finalmente conhece o caráter de sua esposa.

Como em outras obras de Dorothy Arzner, "Mulher sem Alma" lança um olhar crítico e empático sobre os papéis femininos tradicionais e suas consequências devastadoras. Harriet não controla apenas o ambiente doméstico; ela sente a necessidade de dominar todos ao seu redor, inclusive sua jovem e vulnerável sobrinha Ethel. O roteiro e a direção não tratam esse comportamento como mera vilania, mas como o produto de uma estrutura social que reduz a mulher à função de guardiã do lar. Outros personagens também evidenciam as tensões dessa dinâmica, como a tia Ellen Austen (Alma Kruger), que tenta alertar Walter sobre o comportamento controlador de Harriet.

O filme é baseado na peça homônima de George Kelly, escrita em 1925, vencedora do Prêmio Pulitzer. A história teve três versões no cinema: a primeira, muda, lançada em 1928 e atualmente considerada perdida; a segunda, dirigida por Dorothy Arzner em 1936; e a terceira, em 1950, com Joan Crawford no papel principal e o título original "Harriet Craig", lançado no Brasil como "A Dominadora". Embora com mudanças significativas no enredo, essa versão manteve a essência controladora de Harriet e acabou se tornando mais conhecida do grande público, ofuscando a adaptação de Arzner — que permanece como uma das mais afiadas e complexas leituras femininas de seu tempo.

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