IN MEMORIAM - DERCY GONÇALVES

Poucas artistas brasileiras conseguiram construir uma trajetória tão ousada, longa e inesquecível quanto Dercy Gonçalves. Símbolo de irreverência e resistência, ela desafiou convenções e padrões desde os primeiros passos no teatro de revista até suas incursões no cinema e na televisão. Com uma vida marcada por escândalos, sucesso popular e muito talento, Dercy se tornou um ícone da cultura nacional, sem jamais perder sua essência contestadora.

Nascida Dolores Gonçalves Costa, em Santa Maria Madalena, no interior do Rio de Janeiro, Dercy começou sua carreira enfrentando preconceitos e dificuldades. Após fugir de casa aos 17 anos, trabalhou como lavadeira e empregada doméstica até entrar em uma companhia circense, onde começou a cantar e fazer pequenas atuações. A década de 1930 marcou sua ascensão como vedete do teatro de revista, gênero no qual se destacou por seu humor debochado e pela ousadia no palco. Foi nesse meio que ela adotou o nome artístico Dercy Gonçalves e desenvolveu seu estilo escrachado e livre de pudores, que encantava o público e causava desconforto em setores mais conservadores da sociedade.

Sua estreia no cinema aconteceu em 1943 com a comédia musical "Samba em Berlim", dirigida por Luiz de Barros. Ao longo das décadas seguintes, Dercy participou de cerca de 36 filmes, consolidando sua imagem como estrela popular do cinema nacional, especialmente nas chanchadas dos anos 1950. Entre seus principais trabalhos estão "Depois Eu Conto" (1956), "Absolutamente Certo" (1957), "Uma Certa Lucrécia" (1957) e "A Grande Vedete" (1958), este último considerado por muitos seu melhor desempenho nas telas. Também se destacaram adaptações cinematográficas de peças teatrais, como "Cala a Boca, Etelvina" (1958), "Minervina Vem Aí" (1959) e "Dona Violante Miranda" (1960). Mesmo quando o cinema não valorizava plenamente seu talento, Dercy transformava cada papel com improviso, irreverência e carisma. Sua última aparição nas telas foi no curta "Nossa Vida Não Cabe Num Opala", lançado em 2008, ano de sua morte.

No teatro, continuou sendo uma força dominante por décadas. Suas apresentações lotavam teatros em várias capitais do Brasil, sempre com roteiros adaptados à sua personalidade, onde improviso e interação com a plateia eram parte essencial do espetáculo. Dercy quebrou tabus ao abordar abertamente temas como sexualidade e envelhecimento, e isso fez dela uma figura única no panorama artístico brasileiro. Era comum que escrevesse, dirigisse e protagonizasse seus próprios espetáculos, mantendo controle absoluto sobre sua imagem.

Na televisão, teve destaque em diversos programas humorísticos e shows de variedades. Apresentou, por exemplo, o programa "Dercy Espetacular", que mesclava entrevistas e números artísticos ao vivo. Participou também de novelas e quadros humorísticos, como sua atuação em "Deus Nos Acuda", em 1992, onde interpretou a divertida anja Celestina. Já na década de 2000, fez aparições em programas como "A Praça É Nossa", levando ao público seu humor direto e irreverente.

A minissérie "Dercy de Verdade", exibida pela TV Globo em 2012, foi baseada em sua autobiografia escrita com Maria Adelaide Amaral. Dividida em quatro capítulos, a obra reconta sua trajetória desde a infância até o estrelato, interpretada por Luiza Périssé, Heloísa Périssé e Fafy Siqueira em diferentes fases da vida. A produção reafirmou sua importância na história das artes cênicas brasileiras e revelou ao grande público aspectos mais íntimos de sua vida e personalidade.

Dercy faleceu em 2008, aos 101 anos, deixando um legado que transcende as fronteiras do humor. Seu nome permanece como símbolo de coragem, irreverência e autenticidade no teatro, no cinema e na televisão brasileira. Uma artista que, com seu humor inconfundível, mostrou que a liberdade de ser quem se é pode ser um ato profundamente revolucionário.

FONTES
https://portais.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-dercy-goncalves/
https://www.itaucultural.org.br/secoes/colunistas/dercy-goncalves-uma-antivedete-no-cinema-brasileiro

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