IDA LUPINO - POR TRÁS DAS CÂMERAS

Houve uma época em que o cinema era dominado por mulheres e essas mulheres exerciam cargos de enorme importância: elas eram produtoras, diretoras e até mesmo chefes de estúdio. Quando o cinema tornou-se lucrativo, os homens simplesmente tomaram o lugar de destaque e rebaixaram as mulheres para cargos inferiores. O máximo que uma mulher poderia atingir naqueles anos sombrios, era o status de estrela de cinema, que mesmo assim era bastante sexualizado, glorificando as mulheres por sua beleza ou sex appeal e raramente pelo seu talento. Bette Davis e Anna Magnani, por exemplo, foram atrizes que não possuíam o padrão de beleza imposto, elas conseguiram vencer pelo talento e mostrar que as mulheres eram mais que um rosto bonito ou um corpo padronizado.


Na direção de filmes, a situação era mais complicada. No início dos anos 30, tínhamos apenas Dorothy Arzner que enfrentou o machismo de chefes de estúdio como Louis B. Mayer e Harry Cohn. Após uma imensa luta, Dorothy teve seu contrato com a Columbia rescindido em 1943. Por um bom tempo, Hollywood ficou sem mulheres no cargo de direção, até surgir Ida Lupino. Ida Lupino passou a se interessar pelo ofício da direção, após ser suspensa por Jack Warner. Ida Lupino, Bette Davis e Olivia de Havilland, eram consideradas as atrizes mais problemáticas do estúdio, pois as três sempre estavam em confronto com o chefe da Warner, em busca de melhores condições de trabalho e de respeito como profissionais e como mulheres. Sua suspensão se deu devido a sua recusa em trabalhar em filmes que ela julgava inferiores e que de certa forma tratavam a mulher como objeto. Ela também se recusava a trabalhar com qualquer ator ou profissional que a desrespeitasse. Ela recusou trabalhar novamente com Humphrey Bogart, após um conflito com o ator em "Seu Último Refúgio" (High Sierra).


Entediada com a suspensão, ela decidiu ir para os estúdios e começou a coletar informações sobre o ofício de direção. Como os diretores e o pessoal técnico não viam nela uma ameaça passavam para ela todos os métodos utilizados. Ela chegou a aprender sobre edição de filmes. Ciente de que em um estúdio de Hollywood ela jamais seria levada a sério como diretora, ela e seu então marido Collier Young, fundam a The Filmakers, um estúdio independente, para produzir, roteirizar e dirigir filmes de baixo orçamento. Marvin Wald se junta ao casal, tendo as funções de roteirista e tesoureiro. Inicialmente, Ida não planejava dirigir nenhum filme, até que em 1949, durante a produção de "Mãe Solteira" (Not Wanted), o diretor Elmer Clifton, acabou sofrendo um ataque cardíaco depois do terceiro dia de produção e então ela assumiu o cargo de direção e assim começou sua carreira como diretora em Hollywood.


Mesmo tendo dirigido praticamente todo o filme, ela recusou ter seu nome nos créditos, em respeito a Elmer. O filme recebeu grande notoriedade e ela chegou a ser convidada pela primeira-dama Eleanor Roosevelt, a discutir sobre o tema do filme em um programa de rádio. O filme aborda a história de uma jovem que engravida e ao dar a luz não vê outra solução a não ser dar seu filho para uma instituição de caridade, já que uma mãe solteira naquele tempo era mal vista pela sociedade. Além de dirigir o filme, Ida o produziu e o roteirizou.


Seu primeiro filme creditado como diretora foi "Quem Ama não Teme" (Never Fear) em 1949, onde a protagonista, uma brilhante dançarina, descobre ser vítima de poliomielite. Ironicamente, Ida sofreu da doença na década de 30 e chegou a ser demitida da Paramount devido a isso. Em uma entrevista ela chegou a declarar:  "Percebi que minha vida, minha coragem e minhas esperanças não estavam no meu corpo. Se esse corpo estivesse paralisado, meu cérebro ainda poderia trabalhar prontamente... Se eu não fosse capaz de atuar, seria capaz de escrever. Mesmo se eu não fosse capaz de usar um lápis ou uma máquina de escrever, eu poderia ditar".


Em 1950, Ida assinou com a RKO um contrato para a produção de três filmes em parceria com a sua produtora. O primeiro filme foi "O Mundo é Culpado" (The Outrage), filme que aborda o estupro e suas consequências. Até então praticamente nenhum filme foi tão ousado em abordar esse tema. Em 1953, ela dirigiria o filme que seria considerado a sua obra-prima: "O Mundo Odeia-me" (The Hitch-Hiker). O filme é composto apenas por homens em uma atmosfera Noir e bastante tensa. Com esse filme, Ida se tornaria a primeira mulher a dirigir um filme Noir. "O Mundo Odeia-me", marca o retorno dela ao cargo de direção, após um hiato de dois anos e é o primeiro filme da produtora, após o divórcio dela e Collier Young.


Em 1952, Ida voltou a atuar e estrelou o filme "Cinzas que Queimam" (On Dangerous Ground), sendo dirigida por Nicholas Ray, que adoeceu durante as filmagens, ela o substituiu durante seu afastamento temporário. No ano seguinte, além de dirigir, foi uma das protagonistas de "O Bígamo" (The Bigamist). O filme tocava em uma ferida bastante profunda: a bigamia e novamente Ida mostrou-se uma diretora bastante capacitada e coerente.


Por não ter o apoio de grandes estúdios, Ida usava diversos artifícios para manter a produtora e ao mesmo tempo gerar dinheiro para produzir os filmes. Ela chegou a reutilizar cenários descartados de outros filmes, pedia empréstimos e até mesmo chamava amigos para atuar em seus filmes, filmava em locais públicos e planejava a cena com antecedência, para evitar novas filmagens. Sua produtora fechou as portas em 1955 e seu último trabalho como diretora de filmes foi em 1966 no filme "Anjos Rebeldes" (The Trouble with Angels). Paralelo a sua carreira de diretora,  continuou a atuar, chegando a fazer diversas participações em séries televisivas e dirigindo episódios de algumas séries como "A Feiticeira" (Bewitched), "Alfred Hitchcock Presents", "The Twilight Zone" (sendo a única mulher a dirigir e atuar em um episódio da série), entre outros. 


Mesmo hoje em dia tendo uma forte importância no movimento feminista dentro do cinema, Ida não se considerava uma feminista, mas tinha total consciência de que seus filmes foram importantes para o movimento e que até sua trajetória profissional era inspiradora. Chegou a declarar em entrevistas de que gostaria de ver mais mulheres em cargos de poder em Hollywood. Além de dirigir e atuar, Ida também era escritora de roteiros e contos. Chegou a escrever contos e livros infantis. Era também compositora, tendo uma de suas composições apresentada pela Orquestra Filarmônica de Los Angeles em 1937.


“Eu mantenho todas as características femininas. Os homens preferem assim. Eles são mais cooperativos se perceberem que fundamentalmente você é do sexo fraco mesmo que [esteja] em posição superior. Embora não tenha encontrado ressentimento do macho da espécie por se intrometer em seu mundo, não lhes dou oportunidade de pensar que me perdi onde não pertenço.”


“Dirigir mantém você em um estado constante de nervos na primeira noite. … Você pode estar apavorada, mas não deve mostrar isso no set. Reorganize sua programação. … Mantenha seu senso de humor, não entre em pânico.”

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